15 de janeiro de 2008

A Partida

Nona Maria, como toda italiana era uma católica fervorosa. Aos domingos já cedo estava arrumada, perfumada e com as bijuterias a adornar o colo, pulsos, dedos e orelhas.


A missa só começava às nove, mas as sete e meia ela já estava lá, pois era seu dever... dever não, era sua obrigação e direito conquistado varrer o chão da igreja, ornamentar o altar e, principalmente, tocar o sino chamando os fiéis para a missa. E ai se outra beata ameaçasse tocá-lo cinco minutos mais cedo para, quem sabe roubar-lhe o direito às badaladas dominicais... Nona Maria virava uma fera e era capaz de, no lugar da missa, provocar um funeral.


Já seu Mário, o esposo, homem trabalhador mas que adorava trocar a missa por uma partida de bocha e uma cerveja na venda que ficava perto do sítio.


Com a idade batendo e a falta de visitas ao médico veio-lhe o problema de próstata, facilmente superado. À noite já não dormia mais, as palpitações não deixavam descansar e isso o fazia varar a noite acordado. Os médicos já o haviam desenganado, problemas assim são normais na terceira idade, não adianta muito lutar contra, pois no final, nós sempre perdemos.


Assim que os filhos e netos souberam da fraqueza no coração do nono começou a briga pela divisão dos bens e pelo loteamento do sítio. Os que moravam nas cercanias reclamavam uma fatia maior do terreno, pois ainda viviam da terra e permaneceram próximos aos velhos prestando-lhes a atenção necessária. Na verdade eles prestaram mais atenção às aposentadorias dos pais. Alguns abriram mão de suas cotas e outros continuaram inflexíveis, pois era seu direito como filhos. As discussões se acaloraram tanto que eles esqueceram que seus progenitores ainda estavam bem vivos.


Enquanto Mário adoecia nona Maria permanecia forte, levantando cedo, cuidando de seus afazeres diários e tocando a vida alegremente. Até se aventurou em passeios com os netos e em excursões para centros de turismo religioso.


Todos estavam tão preocupados com a saúde do pai, o qual não se cansava de alardear suas moléstias que quase não perceberam quando ela enfraqueceu. Foi internada e submetida a uma angioplastia. Não adiantou. Teve de ser transferida para um centro maior onde foi submetida a uma cirurgia cardíaca. Ficou dias entre a inconsciência e o delírio provocado pelos remédios. E eis que o destino, ao invés de chamar seu companheiro, doente de muitos anos, resolveu presenteá-la com uma ascensão de primeira classe ao paraíso, livrando-a de toda balbúrdia e dificuldades, carregando-a para o descanso mais que merecido, depois de uma vida inteira de trabalho e dedicação.


Faleceu no leito do hospital, deixando viúvo o nono e órfãos de mãe os nove filhos que ela pariu, criou de forma igual e deu-lhes do melhor que suas parcas posses podiam proporcionar, sem nunca deixá-los esquecer do principal: que devemos ser de bom caráter e tementes a Deus.



Criado e postado originalmente em http://zoltrax.blogspot.com por NFL.

Um comentário:

Anônimo disse...

A nona, dos biscoitinhos do final da tarde e do medo do inicio da noite...saudades!