21 de janeiro de 2008

Num Domingo Qualquer

Olhando para aquele senhor sentado vexatoriamente à beira da calçada, uma mão no peito e outra apoiando no chão com o braço trêmulo logo se pensa: onde esse mundo vai parar, plena manhã de domingo e o cara já está caindo pelas tabelas.


Mas um olhar mais atento ao homem revela sua origem humilde e trabalhadora, pois as roupas são limpas e o chinelo é novo. Chegando mais perto nota-se que não existe o odor característico do álcool, mas sim, apenas o bafo de quem não tinha nada para comer no café da manhã.


Ajudado a levantar o homem nega o socorro de um hospital, diz que apenas caiu e está reunindo forças para se levantar. Relutante, ele aceita a mão amiga para sair do chão e se encostar no muro. Despeja mil desculpas envergonhadas, pois, já passando da meia idade não se contém no embaraço de tal humilhação e os olhos ficam marejados enquanto desabafa as cirurgias pelas quais teve de passar e a que ainda está por vir, pois carrega consigo uma hérnia prestes a estourar que deixa seu baixo ventre inchado a ponto de sobressair diante da magreza do coitado que outrora tinha a postura ereta e forte, e agora encontra-se há meses desempregado, sem forças para conseguir um trabalho braçal e sem estudo para conseguir uma vaga em um escritório.


Diante deste rebaixamento obrigatório o homem entrega-se ao desespero, pensa em voltar para sua cidade natal no centro de Santa Catarina, levar a vida à moda antiga, há muito abandonada pelo sonho de dias melhores em uma cidade grande.


Afora os problemas já relatados ainda existe por trás do desesperançado a esposa, que totalmente descontente com a situação atual, ao invés de cumprir o papel de cônjuge e ajudá-lo na pior hora de sua vida, ainda o desmerece, achincalhando-o pelo desemprego e pela doença.


Mas ele concentra as forças em seu espírito. Ao invés de sentar e esperar pela morte envolto numa cúpula de depressão e ódio, ele levanta-se todas as manhãs e vai a procura de qualquer trabalho a fazer, pois o importante, segundo ele, é persistir. Não faz da hérnia uma muleta para a estagnação, pois diz já ter consulta marcada. O problema é que o hospital fica na região metropolitana e o pobre não tem nem dinheiro para a passagem domingueira de um real, imagina-se como ele vai conseguir chegar à consulta no dia seguinte.


Apesar de relutante em aceitar ajuda ele conta que estava nas cercanias para pedir auxílio em uma igreja conhecida por ajudar os necessitados. Entretanto, como ele não é alcoólatra, nem maltrapilho, os beneméritos dominicais negam auxílio a um desesperado pai de família.


Agora mais descansado e lúcido, decide aceitar a ajuda vindoura, recebe cinco reais para a passagem de volta para casa, pois ele havia andado praticamente dez quilômetros naquele dia. O dinheiro também o ajudará a chegar ao hospital na próxima manhã. Acolhe também uns parcos mantimentos: arroz, feijão, macarrão e açúcar; o suficiente para algumas refeições, mas principalmente, o suficiente para fazer surgir a esperança nos olhos novamente molhados daquele senhor.


Eles se cumprimentam e se despedem sem terem trocado apresentações. Um sai sentindo-se novamente humano, pois foi tratado como tal e o outro vira-se rapidamente e não consegue mais segurar as lágrimas, pois apesar de enrijecido pela vida, ainda consegue diferenciar canalhice de necessidade e, acima de tudo, ainda não desistiu de achar que pequenas atitudes, se não podem mudar o mundo, podem dar um pouco de alegria, esperança e conforto a quem já estava a ponto de abrir mão do nosso bem mais precioso: a vida.



Criado e postado originalmente em http://zoltrax.blogspot.com por NFL.

2 comentários:

Anônimo disse...

Viver doi...
mas as vezes, as dores que sentimos nada represetam perto das dores que passam por nossos olhos, dores que saem de outros olhos...
As lágrimas se tornam as mesmas...
Muito Bom!!!

ANAHB

Cultura Nordestina disse...

Gostei muito do estilo de suas postagens. Muito bom o blog!!