31 de janeiro de 2008

Benefício

Quando o aviso sonoro soou e o painel mostrou a senha, Bernardina fez maior esforço para levantar da cadeira e, arrastando o pesado corpo, chegou até a pequena sala de perícia.


Foi recebida pela médica perita que foi cordialmente solicitando um documento de identidade. Bernardina logo abriu a bolsa e também a boca, falando da vida sofrida que levava como empregada doméstica retirou da bolsa a carteira. Contando como ficara com as costas travadas, de tando limpar a casa, lavar e passar a roupa dos patrões. Já desculpando-se e adiantando que eles eram pessoas maravilhosas foi entregando, enfim, a identidade para verificação por parte da perita.


O exame foi de praxe, apenas perguntas e uma rápida checada num exame de raio-x. Sempre com os comentários pertinentes de Bernardina sobre a vida e outros assuntos diversos.


Diagnóstico claro, fibromialgia. Remédio e sessenta dias de repouso, remunerados pelo Estado, é claro!


Com toda a papelada na mão a senhora foi se despedindo e agradecendo, quando pagou pela boca. Inadvertidamente ela solicitou:


-A doutora pode me fornecer uma declaração de comparecimento?


-Porque? - Perguntou a médica que, como quem tem uma revelação, enxerga tudo mais claramente.


-Para que meus patrões não me descontem o dia!



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29 de janeiro de 2008

Soul Destiny

born in pain

waiting for death

with a straight hate


belonging to nowhere

you´ll have no chance

of survivor in nowadays


being stubborn

perhaps you have

more lifetime here


during day you can fade

during night you can hide

but sleeping you can´t fake


the nighmares you have

reveals to yourself

your meaningless soul


so you can just wait

for the next step

to the certain death


and finally you

instead of crawlling

some rest shall have



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21 de janeiro de 2008

Num Domingo Qualquer

Olhando para aquele senhor sentado vexatoriamente à beira da calçada, uma mão no peito e outra apoiando no chão com o braço trêmulo logo se pensa: onde esse mundo vai parar, plena manhã de domingo e o cara já está caindo pelas tabelas.


Mas um olhar mais atento ao homem revela sua origem humilde e trabalhadora, pois as roupas são limpas e o chinelo é novo. Chegando mais perto nota-se que não existe o odor característico do álcool, mas sim, apenas o bafo de quem não tinha nada para comer no café da manhã.


Ajudado a levantar o homem nega o socorro de um hospital, diz que apenas caiu e está reunindo forças para se levantar. Relutante, ele aceita a mão amiga para sair do chão e se encostar no muro. Despeja mil desculpas envergonhadas, pois, já passando da meia idade não se contém no embaraço de tal humilhação e os olhos ficam marejados enquanto desabafa as cirurgias pelas quais teve de passar e a que ainda está por vir, pois carrega consigo uma hérnia prestes a estourar que deixa seu baixo ventre inchado a ponto de sobressair diante da magreza do coitado que outrora tinha a postura ereta e forte, e agora encontra-se há meses desempregado, sem forças para conseguir um trabalho braçal e sem estudo para conseguir uma vaga em um escritório.


Diante deste rebaixamento obrigatório o homem entrega-se ao desespero, pensa em voltar para sua cidade natal no centro de Santa Catarina, levar a vida à moda antiga, há muito abandonada pelo sonho de dias melhores em uma cidade grande.


Afora os problemas já relatados ainda existe por trás do desesperançado a esposa, que totalmente descontente com a situação atual, ao invés de cumprir o papel de cônjuge e ajudá-lo na pior hora de sua vida, ainda o desmerece, achincalhando-o pelo desemprego e pela doença.


Mas ele concentra as forças em seu espírito. Ao invés de sentar e esperar pela morte envolto numa cúpula de depressão e ódio, ele levanta-se todas as manhãs e vai a procura de qualquer trabalho a fazer, pois o importante, segundo ele, é persistir. Não faz da hérnia uma muleta para a estagnação, pois diz já ter consulta marcada. O problema é que o hospital fica na região metropolitana e o pobre não tem nem dinheiro para a passagem domingueira de um real, imagina-se como ele vai conseguir chegar à consulta no dia seguinte.


Apesar de relutante em aceitar ajuda ele conta que estava nas cercanias para pedir auxílio em uma igreja conhecida por ajudar os necessitados. Entretanto, como ele não é alcoólatra, nem maltrapilho, os beneméritos dominicais negam auxílio a um desesperado pai de família.


Agora mais descansado e lúcido, decide aceitar a ajuda vindoura, recebe cinco reais para a passagem de volta para casa, pois ele havia andado praticamente dez quilômetros naquele dia. O dinheiro também o ajudará a chegar ao hospital na próxima manhã. Acolhe também uns parcos mantimentos: arroz, feijão, macarrão e açúcar; o suficiente para algumas refeições, mas principalmente, o suficiente para fazer surgir a esperança nos olhos novamente molhados daquele senhor.


Eles se cumprimentam e se despedem sem terem trocado apresentações. Um sai sentindo-se novamente humano, pois foi tratado como tal e o outro vira-se rapidamente e não consegue mais segurar as lágrimas, pois apesar de enrijecido pela vida, ainda consegue diferenciar canalhice de necessidade e, acima de tudo, ainda não desistiu de achar que pequenas atitudes, se não podem mudar o mundo, podem dar um pouco de alegria, esperança e conforto a quem já estava a ponto de abrir mão do nosso bem mais precioso: a vida.



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20 de janeiro de 2008

A Multa

-O próximo! - Chamou o funcionário no posto de atendimento da Copel localizado na Rua da Cidadania, e eis que adentra pela porta uma senhora sexagenária com algumas faturas na mão.


A mesma senhora já havia bufado diante da estagiária que, fazendo jus ao cargo, está na linha de frente, no front da batalha diária que é a relação entre prestadores de serviços e cliente. O motivo da rusga é uma multa que simplesmente “apareceu” na fatura do mês.


-Bom dia senhora, em que posso ajudá-la? - Pergunta o concursado.


-É sobre esta multa. - Responde de pronto a indignada consumidora. - Vocês estão me cobrando uma multa de setenta reais, sendo que vocês já cobraram a taxa de religamento da luz.


-Certo, esta taxa está descriminada aqui. - Diz o rapaz. - Mas esta outra, de setenta reais, refere-se a uma multa por ligação ilegal de energia elétrica neste endereço. Do que a senhora reclama?


-Eu vim até aqui para que vocês me exonerem desta dívida, pois não tenho como pagá-la.


-Minha senhora, foi feito algum tipo de ligação de energia no seu endereço?


-É claro que sim! - Responde ainda mais indignada a senhora. - Vocês cortaram a luz da minha casa na véspera de natal. Eu não podia ficar sem luz elétrica.


-Mas a senhora não havia pago a fatura do mês de outubro, como foi feita essa ligação?


-Chamei meu eletricista particular! - Responde a mulher com a autoridade e aquele ar de quem sabe do que está falando. - Ele fez a ligação, pois não podia passar o natal sem luz.


-Minha senhora, isso caracteriza furto de energia elétrica. É por isso que está sendo cobrada essa multa na fatura atual.


A mulher se irritou ainda mais e, aos berros partiu para os impropérios:


-Vocês não prestam atenção em nós, consumidores. Ficam com a cara enfiada nessas máquinas o dia inteiro e esquecem de como se relaciona com outros seres humanos.


E ainda vociferou:


-Seu jaguara! Vou processar vocês, isto é de um desrespeito ao cliente, vou processá-los por dano moral e abuso de autoridade do poder público!


E saiu nervosa em direção à fila que se formava em frente ao atendimento da Sanepar na mesma Rua da Cidadania para reclamar de algo semelhante, pois o que importa é que cada cidadão faça valer de seus direitos.



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15 de janeiro de 2008

A Partida

Nona Maria, como toda italiana era uma católica fervorosa. Aos domingos já cedo estava arrumada, perfumada e com as bijuterias a adornar o colo, pulsos, dedos e orelhas.


A missa só começava às nove, mas as sete e meia ela já estava lá, pois era seu dever... dever não, era sua obrigação e direito conquistado varrer o chão da igreja, ornamentar o altar e, principalmente, tocar o sino chamando os fiéis para a missa. E ai se outra beata ameaçasse tocá-lo cinco minutos mais cedo para, quem sabe roubar-lhe o direito às badaladas dominicais... Nona Maria virava uma fera e era capaz de, no lugar da missa, provocar um funeral.


Já seu Mário, o esposo, homem trabalhador mas que adorava trocar a missa por uma partida de bocha e uma cerveja na venda que ficava perto do sítio.


Com a idade batendo e a falta de visitas ao médico veio-lhe o problema de próstata, facilmente superado. À noite já não dormia mais, as palpitações não deixavam descansar e isso o fazia varar a noite acordado. Os médicos já o haviam desenganado, problemas assim são normais na terceira idade, não adianta muito lutar contra, pois no final, nós sempre perdemos.


Assim que os filhos e netos souberam da fraqueza no coração do nono começou a briga pela divisão dos bens e pelo loteamento do sítio. Os que moravam nas cercanias reclamavam uma fatia maior do terreno, pois ainda viviam da terra e permaneceram próximos aos velhos prestando-lhes a atenção necessária. Na verdade eles prestaram mais atenção às aposentadorias dos pais. Alguns abriram mão de suas cotas e outros continuaram inflexíveis, pois era seu direito como filhos. As discussões se acaloraram tanto que eles esqueceram que seus progenitores ainda estavam bem vivos.


Enquanto Mário adoecia nona Maria permanecia forte, levantando cedo, cuidando de seus afazeres diários e tocando a vida alegremente. Até se aventurou em passeios com os netos e em excursões para centros de turismo religioso.


Todos estavam tão preocupados com a saúde do pai, o qual não se cansava de alardear suas moléstias que quase não perceberam quando ela enfraqueceu. Foi internada e submetida a uma angioplastia. Não adiantou. Teve de ser transferida para um centro maior onde foi submetida a uma cirurgia cardíaca. Ficou dias entre a inconsciência e o delírio provocado pelos remédios. E eis que o destino, ao invés de chamar seu companheiro, doente de muitos anos, resolveu presenteá-la com uma ascensão de primeira classe ao paraíso, livrando-a de toda balbúrdia e dificuldades, carregando-a para o descanso mais que merecido, depois de uma vida inteira de trabalho e dedicação.


Faleceu no leito do hospital, deixando viúvo o nono e órfãos de mãe os nove filhos que ela pariu, criou de forma igual e deu-lhes do melhor que suas parcas posses podiam proporcionar, sem nunca deixá-los esquecer do principal: que devemos ser de bom caráter e tementes a Deus.



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11 de janeiro de 2008

Soberba

Um dos piores defeitos da humanidade é a necessidade de auto afirmação. A partir deste pequeno porém as piores coisas acontecem. Guerras começam, namoros terminam e amigos brigam.


Santos não era exceção. Tentava compensar sabe-se lá o que afirmando que era melhor que os outros, chegava a andar com todo seu ordenado, em dinheiro vivo no bolso, só para poder contar as notas na hora de pagar a conta. E pior ainda, tentava dar o golpe no vendedor ou pior, em seus colegas, saindo muitas vezes sem pagar.


O pior foi neste verão de 2008 que, de visita à praia, ao ver aquela estátua, uma carranca, artesanato do litoral, não hesitou em pagar quatrocentos e cinqüenta reais nela. Levou o ornamento para casa; colocou-o sobre um balcão na sala e foi dormir.


Já nessa mesma noite acordou assustado devido a um pesadelo sangrento. Nele Santos se encontrava banhado em sangue e com muita dor.


Os pesadelos continuaram, noite após noite, a insônia começou a dominá-lo, barbitúricos, maconha e álcool já não o faziam mais dormir. Inclusive seu vício por drogas ilícitas só fez aumentar e, como conseqüência da soma dos problemas, surgiu uma paranóia. Ele começou a escutar vozes em seu apartamento, os objetos estalavam e não raramente, seguiam-se de passos no corredor.


Isso foi enlouquecendo o cara que já não era muito certo das idéias. O ápice da loucura o acometeu quando começou a imaginar que a carranca estava movendo-se pela casa. Arremessou-a janela afora estilhaçando a vidraça e adormeceu, mas sua namorada, chegando em casa, viu o objeto no gramado e levou-o novamente para dentro do apartamento.


Santos sucumbiu a loucura, hoje está internado no pinel e jura que a carranca ainda o visita nas noites sem lua.



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8 de janeiro de 2008

Preguiça

-Amanhã eu faço, hoje estou com preguiça.


Era assim que respondia sempre Raísa quando alguém lhe designava uma tarefa. Baiana, budista e radicada em Matinhos, estendia a rede na varanda de sua casa à beira mar e só saía quando não havia outro jeito.


O telefone era sem fio, se ficava sem bateria, azar! A comida a empregada trazia e às vezes até o banho tinham que dar. Não havia jeito de fazê-la levantar para fazer exercícios ou dar um passeio. Trabalho então, oxi! Só de pensar já dava coceira, mas não coçava pois isso já era muito esforço.


Tudo que não é usado padece. Não foi diferente com Raísa. Certa madrugada choveu muito e o mar tornou-se revolto. Uma daquelas enormes ressacas que acontecem às vezes. A água subindo e nada dela levantar da rede. Quando literalmente a água bateu em sua bunda foi que ela notou a enchente. Mas já era tarde. Seus músculos, enfraquecidos pelo desuso, não conseguiram vencer a correnteza e Raísa foi arrastada para a morte.



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4 de janeiro de 2008

Medo

1875

À noite, o escravo sussurra no ouvido do companheiro de senzala:

- Eu tenho medo, é do Capitão do Mato!


1940

À noite, o mundo inteiro sussurra:

- Eu tenho medo, é do Herr Füher!


1980

À noite, o terceiro mundo sussurra:

- Eu tenho medo, é do Tio Sam!


1991

À noite, o Brasil sussurra:

- Eu tenho medo, é do Fernandinho!


11/2001

À noite, os Estados Unidos sussurram:

- I´m afraid of, the Bin Laden!


2007

Os brasileiros não conseguem mais sussurrar, pois o que menos tememos é a bandidagem.



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A Dívida

A três meses do casamento ele recebe a proposta indecente e pensa -Nem casei ainda e esse primo dela já vem me pedir dinheiro emprestado! É, vá se acostumando Onofre.”


Acontece que Onofre é homem de coração mole e não nega os mil cruzeiros emprestados ao futuro primo, apesar dele ser mais conhecido pelas picaretagens que pelos bons atos. -É pra comprar uma máquina nova para minha fábrica.- Disse o primo na época. O inconveniente é que aqueles mil cruzeiros seriam usados para mobiliar a casa que receberia os pombinhos e que já fora comprada com o suor honesto de Onofre, o mais bem reputado sapateiro da região.


Um mês se passou e mais outro voou. Nada de Onofre receber o dinheiro. Toda semana ele passava falar com o leviano e recebia a mesma resposta.


Quando faltava uma semana para o enlace, o sapateiro deu um ultimato. Ou recebia a grana ou voltava lá com a promissória e a polícia pra resolver. O rapaz disse para voltar no outro dia e eis que foi feito. Ao chegar na fábrica do quase primo, Onofre foi recebido pelo mesmo e por mais quatro capangas. O primo pediu para ver a promissória e rasgou-a jogando os picados na cara do noivo que saiu bufando de ódio.

Foi direto ao advogado, para que este lhe preparasse outra nota promissória, naquele tempo era assim que se fazia, em seguida passou em casa, colocou o facão na cinta, naquela época também era assim que se resolviam alguns assuntos de família, e seguiu de passo firme até a fábrica do descarado que a esta hora já era xingado por nomes muito piores.


Não quis nem saber, foi entrando e invadindo a sala do meliante, facão na cinta e letra na mão. O outro não quis nem discutir, foi logo assinando e reconhecendo a dívida. Uma das poucas atitudes sensatas do rapaz, pois levantasse da cadeira não teria durado outro segundo. O sapateiro estava decidido a usar seu coro nas bambuchas que seriam vendidas no inverno.


Contudo o fato esfriou depois disso e Onofre só recebeu o que lhe era devido no outro ano, quando já estava com tudo comprado a crédito. A grana serviu pra comprar o Fusca usado para vender os sapatos nas cercanias.



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